sábado, 11 de agosto de 2012

From Lebanon, with love

Ao chegar à França, em 2006, conheci a família Habib no albergue onde fiquei. Eles e mais cinco outras famílias libanesas que estavam lá faziam festa todas as noites: dançavam músicas árabes, nos ensinavam passinhos, fumavam narguile. Foi numa dessas noites que conheci melhor a Nahed e fiquei sabendo porque estavam lá: vieram fugidos da guerra contra Israel. Não sei se porque também me encontrava longe de casa, pela primeira vez numa cultura diferente, identifiquei-me desde os primeiros dias com a comunidade libanesa. Admirava-os muito por conservarem a alegria mesmo em tempos difíceis. Deixaram parentes, amigos, amores num país que estava sendo bombardeado e ainda assim sorriam. Os anos passaram, a amizade ficou. Este ano resolvi ir visitá-la e conhecer este país que sempre me fascinou seja pela história, pela comida deliciosa, pela simpatia das pessoas. Aterrissando em Beirute lá estava ela, me esperando, sorridente como sempre. Fui tratada como uma rainha do início ao fim. Fiz parte da família e da casa durante uma semana e foi uma das experiências mais incríveis que já tive. Até Halime, a empregada etiopiana, trocava saudações comido (assim, em mímicas, porque meu árabe não evoluiu em nada durante a estadia) e me acompanhou até o carro para dar tchau na minha partida. Surpreendeu-me o fato de a ambientação da casa ser muito semelhante às casas brasileiras (ao menos as do interior): uma sala de estar com sofás grandes, toda cheia de tapetes e decoração pela estante e paredes; a mesa de jantar grande para caber a família toda, sempre cheia de comida, de várias opções, claro, para a visita poder experimentar de tudo; o quarto com bichinhos de pelúcia em cima da penteadeira. Lembrou-me minha infância, senti-me em casa. Apesar da conhecida imagem de país árabe/muçulmano, a população libanesa é bem dividida em termos de religião. Mesquitas de seguidores do profeta convivem em proximidades com imagens e estátuas de Nossa Senhora em diversos lugares. Algumas cidades são mais cristãs ou mais muçulmanas mas as duas religiões parecem coexistir bem. Nahed e sua família são muçulmanos mas, como acontece com os católicos, uns seguem mais outros menos os costumes que deseja. Como o país é pequeno e meus anfitriões estavam ávido para me mostrar todas as suas belezas costeiras e montanhesas, conheci muitas cidades de norte a sul.
A antiga Byblos, atual Ajibail, foi minha primeira parada. Ruínas romanas antigas, um zouk cheio de bugigangas para turistas, um mar lindo e paisagens de filmes. Visitamos também a região fronteiriça de Israel onde o Hizbollah tem um “sight seeing” turístico, uma espécie de museu da guerra com Israel. Impressionante! Sente-se a raiva no ar. Não foi como outros museus que lembram a guerra que visitei, onde em geral sente-se a tristeza de vidas perdidas. Lá, há o orgulho dos mártires da resistência e dos soldados inimigos que morreram nos tais campos. Exposições de armas, canhões, artilharia pesada, equipamentos de espionagem. Até um túnel recriando a vida nos tempos de guerra havia. Confesso que era de tremer um pouco as pernas. Mas foi uma experiência única estar num lugar onde coisas tão recentes aconteceram; mais ainda é poder ver e ouvir das pessoas o sseus pontos de vista sobre a situação ao invés de seguir os acontecimentos pela mídia. Nesse mesmo dia terminamos a noite em Tyre, atual Sour. Linda praia, cheia de barraquinhas na areia. Jantamos num restaurante que servia um delicioso peixe fritinho. A família Habib me levou também para conhecer a região dos vinhedos, lozalizada entre duas cadeias de montanhas, mais ao norte de Beirute; passamos a noite em Zahle, uma cidade super bonitinha que me lembrou muito Iguape. Lá estavam os doceiros vendendo todas aquelas guloseimas à beira do riacho. Baalbek, perto da fronteira com a Síria, é um patrimônio incrível. Um templo romano ainda muito preservado e um sonho para quem gosta de história. É impressionante o sentimento de pequenez ao ver toda aquela grandiosidade. Nosso guia lá era libanês de origem brasileira. Ficou felicíssimo e não parava de enviar abraços a todos os “compatriotas”, gente muito acolhedora, segundo ele. Explicava que no antigo império romano a ordem era dada por “Deus, a mulher e o homem”. Ordem esta muito contestada pelo irmão chato (muito chato) da Nahed mas eu com minha boca grande não resisti em responder “Vês Habib (me dirigindo ao pai), os homens de hoje não constroem coisas tão lindas como estas”. Habib concordou sem hesitação. Comi tudo o que havia para experimentar, desde os conhecidos de sempre como esfihas, pão sírio, tabule (nada como o tabule da mãe da Nahed, aliás), kibe cru até fígado de galinha cru. Em cada refeição tinha a impressão que comíamos como uma família de dez, éramos geralmente quatro.
Habib, em árabe, significa “meu amor”. Nahed e seus pais refletem muito bem a beleza desse sentimento. Agradeço mais uma vez à essa família por me acolher tão bem em sua casa e me fazer viver toda essa experiência. Hei de voltar um dia.

PS> Minha amiga Nahed casou-se em 2010 e 6 meses depois sofreu um aborto espontâneo, quando foi diagnosticada como portadora de esclerose múltipla. Foi “divorciada” (sim, em casamentos muçulmanos apenas uma parte toma a decisão, o homem) enquanto ainda estava hospitalizada após ter perdido a visão temporariamente sem que tivesse a chance de vê-lo de novo. Apesar dos dias difíceis conserva no rosto um sorriso lindo, uma vontade de viver. Não reclama de nada e tem muitos planos para o futuro. Fez-me pensar como reclamamos demais da vida.