quarta-feira, 19 de junho de 2013

Carta a meus pais


São Paulo, 17 de junho de 2013

Pai, Mãe
Conto um pouco do que vi e o que não vi ontem em São Paulo.
Ontem vi cordialidade no trânsito, ontem vi pessoas pedindo licença, ontem vi uma certa cumplicidade que há muito não via em São Paulo; onde ouvi vozes alegres mas indignadas, cansadas. Ontem vi jovens, velhos, professores, pessoas com gravata, de terno, de chinelo; ontem ouvi o hino nacional gritado do fundo da garganta de todos que estavam nas ruas.  Ontem a Globo tirou os logotipos dos microfones, os repórteres se misturavam entre o povo, ontem todos tinham câmeras e celulares; ontem todos podiam dar sua opinião nas redes sociais, na internet. Ontem, mídia nenhuma pode esconder ou manipular o que estava acontecendo pois agora a informação é mais de todos do que apenas de poucos.

Caminhamos do Largo da Batata até a Ponte Estaiada entoando cantos de "O povo acordou", "Eu sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor", "Vem, vem pra rua contra o aumento","Não ao vandalismo", "Sem violência", "Abaixa a bandeira do partido", "Pátria amada Brasil"; ontem eu vi e vivi o que jamais tinha visto antes nos meus 28 anos.

Ontem eu não vi violência, ontem eu não vi ninguém pular a catraca do metrô, não vi muvuca pra comprar o bilhete do metrô (tomados, todos, por pessoas entoando músicas, segurando cartazes e andando ordenadamente), não vi ninguém se empurrando para entrar no trem. Ontem eu não vi a PM, eu não vi vandalismo, eu não vi só estudantes mimados pedindo o direito de fumar maconha na USP.
Eram milhares, caminhando e cantando e seguindo a canção. Era sim, muita gente da classe média, que pode se dar ao luxo de sair cedo do trabalho para ir às ruas. Eram sim muitos estudantes. Mas era sim gente de todo o tipo e gente que não necessariamente terá que apertar as contas das casa pelos R$ 0,20 do aumento mas que não aceita mais ter um transporte público ruim e mal-tratado, gente que não aceita mais as desculpas esfarrapadas de "as contas não fecham" quando poucos enriquecem com a corrupção. E se não é a classe média, essa que batalha ainda assim todos os dias para dar uma educação decente aos filho, que pode estudar, que aprendeu um dia as bases que formam uma sociedade a se levantar e gritar por um país mais igual, quem será?
Ontem voltamos com o vinagre e as máscaras para casa. Porque é assim que deve ser.


Escrevo-lhes também para agradecer por tudo o que eu sou, pelo que me tornei. Agradecer-lhe pela escola onde pude estudar, pelas atividades culturais que pude participar, pelos idiomas que pude aprender, por tudo o que vocês me proporcionaram, na maioria das vezes em detrimento dos seus próprios desejos de consumo, quem sabe de seus sonhos (sei que mamãe sempre sonhou em viajar e durante toda a minha infância só a vi dentro de hospitais; sei que papai conseguiu realizar seus estudos e hoje e é o que é a duras penas e através de muitas economias). Agradeço hoje e sempre por ter tido sempre a liberdade de fazer minhas escolhas. Vocês sempre estiveram ali para palpitar e direcionar mas independente de suas opções políticas e partidárias, aos 16 anos fui eu quem escolheu tirar o título para exercer minha escolha.
Agradeço mãe, pela companhia em 1992 diante da contagem dos votos pela TV, por ter nos levado para a rua num surto de alegria ao tirarmos um presidente do poder.
Agradeço pai, por nos mostrar que sempre se pode ajudar aos outros, com qualquer que seja o gesto, por mostrar que honestidade faz a nossa integridade, traz a paz no coração todas as noites ao deitarmos a cabeça no travesseiro.
Ontem cantei, gritei, bati palmas e andei, ao lado de amigos, de desconhecidos mas ao final éramos todos um só.
Não concordo com todas as causas do movimento, mas havia uma causa comum pela qual todos estávamos lá: basta, chega, it's enough. 


Espero que o povo tenha realmente acordado. Espero que o povo tenha realmente acordado. Espero que tudo dê resultado, que tenhamos condições de transporte mais decentes para a maior cidade do país. Espero que se nada resolver que não parem por aí. Espero que haja mais e mais caminhadas pacíficas. Espero que os nossos representantes em todas as cidades hoje tenham acordado com um pouco mais de medo do povo. Por que é assim que tem que ser; que se tenha vergonha e medo  de ser desonesto, de ser corrupto, de gastar o dinheiro público indevidamente.
Espero também que o brasileiro mude. Por que o Brasil não é formado de congressistas e políticos, o Brasil é feito de brasileiros. Espero que paremos de falsificar carteira de estudante, de comprar o baseadinho "que não faz mal a ninguém", que paremos de furar filas, que paremos de subornar os policiais, que paremos de dirigir alcoolizados, de sonegar o imposto de renda, de contribuir com estabelecimentos que fraudam impostos, que paremos de tirar vantagem de tudo. Espero que finalmente alguém lá no Congresso entenda que saúde e educação vêm em primeiro lugar.
Espero que se entenda que professor não ensina apenas a fazer contas e a ler e escrever. Professor forma caráter, professor constrói seres humanos, professores formam a base de uma sociedade e que professor deveria ser uma das profissões mais bem pagas do país.
Espero também que tudo não seja esquecido nas próximas eleições e que pesquisemos mais sobre as propostas e a história daqueles que elegeremos como nossos representantes. Espero que possamos organizar um movimento que ensine o que fazem os três poderes, que ensine e conscientize qual o papel de cada pessoa que colocaremos em Brasília não só o Prefeito, o Governador e o Presidente.
Espero eu mesma mudar e ser tudo isso de fato em que eu acredito porque não me retiro das pessoas que dar um "jeitinho" para muitas coisas no dia-a-dia. Espero também poder cobrar essas atitudes mesmo dos meus melhores amigos.

Espero, mesmo, que estejamos presenciando alguma mudança e espero mais que tudo poder contar um dia para seus netos que eu estive lá. Como vocês estiveram em 1984, como vocês estiveram em 1992, como deve ser para que este seja o país de nossos sonhos.



Brasil, ame-o e mude-o, porque eu jamais o deixarei.




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