terça-feira, 4 de setembro de 2007

A (O) Vale...

Dia desses fui almoçar na FAU com a Isa e enquanto esperava o buffet abrir passamos por um cartaz “A VALE é do Povo” e me lembrei que já tinha visto isso antes. “Plebiscito nacional popular pela reestatização da Companhia Vale do Rio Doce”.
Bom, não ligamos muito e fomos comer. Apenas fizemos um comentário do tipo “Meu deus..de onde veio essa idéia?!” e fomos sentar. Mas como o almoço demorava e a conversa começou a fluir em torno do assunto resolvemos ir lá manifestar nossa opinião. Votar!Porque afinal plebiscito aceita Sim e Não.

Chegando na mesinha um garoto nos recebia esclarecendo o movimento, que não verdade seria um plebiscito imparcial, era um “vote a favor” (apesar de haver lá um quadradinho para o “não”)!! Escutamos os argumentos debatemos, ouvimos a freqüente pergunta “O que vocês fazem? Ah...FEA”, seguida daquela cara “Capitalistas selvagens, cuzões, destruidores do mundo”. (Um outro dia escrevo apenas sobre isso..vale um post) e foi porque eu resolvi escrever.

A primeira coisa me veio à cabeça e que perguntei para o sujeito foi: “E como isso vai ser feito? Vamos comprar a Vale de volta ou só tomar de volta?! (vide Evo na Bolívia)”; pergunta para a qual a resposta foi “Ah..isso eu não sei mas é que....” e veio o bombardeio de argumentos “A privatização foi fraudulenta (CONCORDO,ao que indica foi)”, “A Vale foi comprada por US$3,2 bi e hoje o lucro é de US$15 bi” , “A empresa foi comprada por investidores estrangeiros, então o dinheiro não fica no país”, “A Vale é brasileira”, “Esses US$ 15bi (de lucro) vão ser reincorporados ao patrimônio do governo e ajudar a resolver o problema da renda”, “O lucro aumentou de 3,2bi (na verdade esse era o preço de mercado) para U$15bi, é impossível para uma empresa extratora!!!”, “Os empregos destruídos vão ser restituídos”, “A empresa, depois que passou para o domínio privado, está com uma política mais acirrada quanto à responsabilidade social”(na verdade não foram essas as palavras, foram “eles estão empregando mais crianças, destruindo mais o que está à volta” – detalhe para nossa questão no momento “Mas eles não se fazia isso?”, “Ah...bem...sim, mas não era tanto”, famoso, estupra mas não mata
“O país mais neoliberal do mundo, com maior índice de privatizações, sem domínio estatal, é a Somália, vejam o estado da Somália”.......dentre outras baboseiras mais.

Eu não costumo desconsiderar as opiniões alheias nem me achar a sabe-tudo em todos os momentos (apenas em alguns) mas dessa vez não deu. Quer discutir, discuta, mas discuta com fundamentações. Se você não entende de economia não discuta de economia; eu não entendo de pilares, não tento diferenciar os românicos dos gregos.

O patrimônio de uma empresa é diferente do seu valor de mercado e basicamente o
lucro não é o caixa da empresa. Sucintamente. Quanto vale algo? Quanto as pessoas querem pagar. O lucro não existe em dinheiro vivo (salvo raras exceções), é apenas um resultado contábil. Não existem US$ 15bi nos cofres da Vale que iriam direto para os cofres do governo. O dinheiro ou já está investido, ou dividido ou na puta que o pariu, mas não é assim que as coisas funcionam. Compra a empresa, compra o lucro, logo, todo o dinheiro vem para o governo.

O lucro da vale aumentou, sim. E que mal há nisso?! Em progressões geométricas (na verdade não tanto quanto dizem, basicamente dobrou (de 7bi para 15bi desde a privatização))?? Pode-se no máximo deduzir que a eficiência da empresa aumentou e que antes ela mal administrada.

Uma empresa extratora pode sim ter lucro. O produto pode ser comodities mas não se ganha apenas no produto, pode-se ganhar me processos otimizados, operações financeiras e tudo o que pode-se usar para ganhar dinheiro.

Hoje em dia a nacionalidade de uma empresa ou dos investidores da mesma não diz muito sobre a destinação de seus lucros: a Unilever é holandesa e alguém acha que o lucro está investido na Holanda??

A Somália é o que é não porque privatizaram tudo...mas esse comentário eu me recuso a desenvolver. Vou fingir que o sujeito falou sem pensar (o que realmente foi).

E bom, qual é a minha opinião sobre isso tudo??
-Se a privatização foi fraudulenta, que se pague a diferença. O que será que aconteceria caso nós simplesmente decidíssimos tomar a Vale de volta? O risco país dispara, o dólar sobe, as relações com os outros Estados se deteriora, os investimentos diminuem, a incerteza aumenta, os juros sobem (e os do carnê da Casas Bahia também!) e basicamente.....ajudamos a f....a economia do país. Sim, simples assim. Macro-economia simplificada.

- Não sou a favor de demissões em massa.Governo não tem que ser cabide de emprego e sim propulsor da economia para que novas oportunidades sejam criadas. E já se vê que nem para regular o estado brasileiro está servindo o que dirá gerir.

-Se você vota por algo, preveja suas conseqüências. Não é só "Vote Sim ou Não" e depois vamos ver como fazer.

-Finalmente, acho que existem problemas maiores com os quais as pessoas deveriam se preocupar em vez de criar casos como esses. Alguém já ouviu falar em Vale do Ribeira?! Sim, é de onde eu venho e pela primeira vez falo disso. Foi considerado em 2005 um dos 13 bolsões de pobreza brasileiro, segundo relatório da ONU, onde se comenta que a região tem um IDH semelhante a países da África como Uganda.
Sim, temos algo parecido com Uganda no Estado de São Paulo, o estado mais rico do país, onde está praticamente 80% do PIB da América Latina girando na Avenida Paulista. Conheço gente lá que não tem porta nos benheiros, não dinheiro para o papel higiênico nem para o absorvente fda filha, que planta banana e fica feliz em ir juntar um dinheirinho para ir no único cinema do Vale (onde passam filmes que mudam a cada semana, um mês de´pois de lançados, quando passam), em Registro (sim, ônibus para ir ao cinema), que sobrevive às custas de boa vontade dos proprietários e que custa....míseros R$3,00 na quarta. Sim, isso está no estado de São Paulo, mais perto do que imaginam.
E as pessoas me vêm se revoltar que “a Vale é nossa”. Pois é mesmo...é uma empresa de capital aberto, vá lá, compre sua ação e receba dividendos. Caso você não saiba é assim mesmo que funciona, ou você acha que coisa pública e estatal é realmente sua? Em dinheiro público brasileiro, ultimamente, só eles põem a mão.

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei de ver alguém que entende comentando isso, e gostei ainda mais da comparação com o Vale...

Mas eu ainda não entendi a necessidade de provatização da Vale. Sou completamente a favor de privatizações de elefantes brancos do governo,de tralhas públicas. Mas achava que, no meu parco entendimento, a Vale não se encaixasse nessas definições.

Pra mim, repassar pra iniciativa privada deveria ser a exceção,que acaba se tornando regra tendo em vista o péssimo gerenciamento feito pelo governo. Mas achei que não era o caso da Vale. Era?

Não que agora faça diferença, pois já foi. Mas queria entender.

beijos! (e que pena que vc não vai no japa...)

Daniel Milazzo disse...

Emília, curti a maneira como tu escreve! Ainda não me interei da discussão que envolve este plebiscito, mas achei pertinentes suas ponderações. Eloquënte. Idealmente, acredito que empresas do setor estratégico deveriam ser geridas pelos estados, pois não estou de acordo com diversos métodos da neo-liberalização (e creio que vc tb não). No entanto, concordo com a sua crítica quanto às pseudo-capacidades estatais de gerência e duvido que nas mãos do governo a Vale apresentaria os mesmo resultados de hoje. Eficiência não é uma palavra que rime muito com funcionalismo público, a mentalidade é outra. Sábado a Folha dizia que o governo vai abrir mais 400 mil vagas em 2008... cabide de empregos? Qué te parece? Uma das minhas críticas às privatizações era também a forma como os lucros eram administrados, mas tuas palavras me esclareceram algumas coisas.
Não entremos no mérito dos casos de corrupção e do caso Renan que, à portas fechadas acabará em "pizza secreta".
E sobre a Somália... fez bem em não comentar...